segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A mão de Appolinaire



O magret de pato com mel e especiarias acompanhado por batatas salteadas é a 25.50€ no Les Deux Magots, Saint-Germain-des-Prés, Paris. Não é sítio que hoje se aconselhe ao comensal de tão turístico que se tornou, mas era aí que parava - entre outros lugares como o Lapin Agile ou a Closerie des Lilas - Guillaume Apollinaire, baptizado Wilhelm Albert Włodzimierz Apolinary Kostrowicki.
Numa biografia onde se torna difícil, por vezes quase impossível, destrinçar o ficcionado do factual, George Vergnes descreve um episódio passado em 1912 e envolvendo Appolinaire, a sua amada e então musa Marie Laurencin, Louise  Faure-Favier e Max Jacob. A certa altura, Max inicia uma ronda de leitura da sina nas mãos dos convivas, reunidos num jantar em casa de Appolinaire na Rue de La Fontaine. Até que chega a vez de Guillaume:  

«Os deuses chamam cedo a si aqueles que protegem - disse Max Jacob - Não foste tu que escreveste: os poetas têm o direito de esperar, depois da morte, a felicidade perdurável que o pleno conhecimento de Deus lhes assegura, isto é, a suprema beleza? Conhecerás cedo essa felicidade perdurável, Guillaume. Não entrarás nem na "Revue des Deux Mondes" nem na Academia Francesa. Vejo uma vida curta e a glória da tua morte. Vejo...
- Idiota!
E Max, evitando à justa a bofetada que Guillaume lhe destinava, esquivou-se. Enquanto Dalize e Billy se interpunham, agarrou-se à mão de Marie Laurencin. Fez o ar mais inspirado e anunciou:
- Você, Marie, conhecerá também a glória, mas em vida...Deixará em breve Paris, passará muito tempo no estrangeiro...partirá...oh! com o seu marido, porque vai casar-se brevemente... 
Max Jacob teve um tempo de hesitação e disse como se se lançasse à água:
- Vejo. Casar-se-á com...um jovem pintor!»

O relato descreve que, nesse momento, «a mão de Guillaume partiu e estalou na cara do profeta». Appolinaire morreria apenas seis anos mais tarde e Marie partiria, pouco depois desta sessão de quiromância, para o exílio em Madrid acompanhada pelo marido o Barão Otto von Waetjen, o qual ignoro se terá sido pintor. A 17 de Fevereiro de 1915, Marie assina como "amiga" esta oferta para Guillaume. Judeu, Max Jacob não sobreviveu ao campo de Darcy e morreu em 1944. Não sabemos se terá antevisto, nas linhas da mão, o seu próprio destino. 
    
Na imagem: "Guillaume Apollinaire et ses amis", óleo sobre tela de Marie Laurencin, 1909








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