Gatos em vez de pombos. A sereníssima cidade dos doges, no traço de Hugo Pratt, raramente se identifica com a basílica de S. Marcos ou com a igreja de Santa Maria della Salute. Há telhados escorregadios e pavimentos de mosaico maçónicos, judeus que dominam a cabala e franciscanos que guardam mapas do tesouro, sombras que se esgueiram e reflexos a brilhar na laguna, o poeta decadentista Gabriele d’Annunzio e a incarnação da filósofa Hipácia de Alexandria, silhuetas de palácios e pontes misteriosas, escadarias enigmáticas e pátios mágicos, borboletas gnósticas e combates de aviões na I Grande Guerra, a bela Louise Brooks e o intrigante Barão Corvo.
Em dois álbuns, cujo nome parece ficar mais belo no idioma de Dante Alighieri e de Italo Calvino, L’Angelo della Finestra d’Oriente e Favola di Venezia, o marinheiro maltês deambula pela Veneza que entusiasma Pratt, entre brumas e carabineiros, gnósticos e fascistas, dândys e beldades, andorinhas e gaivotas, sonhos e tiros, leões gregos e peles de serpente
Os fanáticos do marujo que veleja em todos os mares, sempre tão cínico face ao mundo como o filósofo Diógenes e tão poeticamente aventureiro como Rimbaud, chegam a comprar discos com a música que se associa às suas aventuras, manuais para perceber melhor as figuras históricas com quem se cruza, álbuns com as deslumbrantes mulheres que por ele se apaixonam, guias com mapas que mostram onde pisou na sereníssima. E, agora, pode-se garantir, com a certeza com que se afirma que Buenos Aires tem duas luas, que a próxima romarias será ao seu novo templo veneziano, La Casa di Corto. Mas onde estará, afinal, a esmeralda pura e bela a que chamam a Clavícula de Salomão? E haverá maior elogio do que alguém dizer que parecemos mesmo o Corto Maltese?
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