domingo, 26 de junho de 2011

O ‘Western Tecnológico’ de Maylis de Karengal




Espaços vastos. Estradas sem fim. Cidades feéricas e futuristas. Ecos de John Wayne, Jack kerouac, Philip K. Dick. Utopia a roçar a distopia. É por estas fronteiras que a escritora francesa Maylis de Karengal constrói o romance que lhe valeu o prémio Medicis em 2010, “Nascimento De Uma Ponte”, publicado agora em Portugal pela Teorema.
“Coca é promessa de grande vida. Vem gente de longe, o corpo impaciente e no fundo dos bolsos o suficiente para subsistir durante alguns dias: portanto o turnover dos homens e dos desejos, faces escaldantes e pupilas cintilantes, vias rápidas como motores centrífugos, arranha-céus abertos (…) ouvem-se os espasmos de betão e corações imersos numa turbulência comum…”. É assim Coca. Uma cidade imaginária entre um estuário e uma floresta, onde vai ser erguida a maior ponte suspensa do mundo.
“Quis fazer de Coca um épico sobre a paisagem e sobre a luta arcaica que o humano trava contra essa geografia brutal da Terra, para fundar os seus lugares de abrigo, as suas aldeias, as suas cidades.”, diz Maylis que esteve em Lisboa no âmbito do Festival Silêncio. “ Este livro é um western tecnológico. Tem heróis quase silenciosos. A acção nasce das suas pulsões, dos seus desejos, medos e ambições e não tanto das suas palavras. Mas a grande personagem é o mundo físico, a natureza”.
Para a construção do colosso arquitectónico afluem centenas de trabalhadores. Vêm de todo o mundo. São máquinas de trabalho. Silenciosos e desafectados Quase inumanos. Fixam-se no estaleiro que será palco para os grandes acontecimentos da narrativa; uma micro-cidade que reproduz as relações de violência e servilismo da grande cidade.
Maylis reconhece que a ponte foi apenas o “dispositivo” que lhe serviu para juntar no mesmo espaço uma série de personagens que”são apenas forças mecânicas, paradigmáticas das sociedades humanas criadas sempre contra a natureza”.
Este livro está, porém, longe de ser um manifesto ecológico. E se o estaleiro remete para a ideia de uma obra cuja construção une os homens em torno de um projecto comum, a floresta que envolve a cidade e onde vai desembocar a ponte, remete para um mundo cheio de terrores arcaicos. “Toda a história se suporta no mito da criação que continua presente no nosso imaginário por mais hipertecnológicas que sejam as cidades e os instrumentos”, diz a escritora.

Texto publicado no Diário de Notícias de 25-06-11

Sem comentários:

Enviar um comentário