segunda-feira, 27 de junho de 2011

Culto do novíssimo


Existe um mito da moda segundo o qual as novas gerações são fantásticas e o que é velho deve ser dispensado. Elogia-se o grau de especialização do mundo contemporâneo, o conhecimento em detalhe, o saber compartimentado, a massificação do senso comum. Ao mesmo tempo, ridiculariza-se o clássico. O que é antigo deve pertencer ao museu. Nas conversas, evitam-se temas difíceis, pois isso é correr o risco de ser confrontacional.
O nosso tempo podia usar como definição a palavra "giro". Abarca o eclético, o fútil, o kitsch, a mistura de estilos, a imitação. Também o meio-termo e o politicamente correcto. A arte deve incluir o soundbyte, o chocante pelo chocante, mas acima de tudo deve evitar a lentidão que se exige quando se visita o mais profundo da alma. 
Deixou de haver tempo para pensar, pede-se a ruptura com o passado e com a memória. Só deve existir o futuro.
E esta mentalidade tem aspectos de crença. É difícil de contrariar.

As primeiras linhas desta crónica resultam de um programa de TV sobre literatura portuguesa, que vi por acaso. Mas o que tento dizer tem origem numa reflexão mais antiga.
Existe em Portugal, em particular nos meios jornalístico-literários, uma obsessão pelo "novíssimo", por autores sem cabelos brancos e de bom aspecto, com nova linguagem, visão desempoeirada, voz inovadora. Dizia-se neste programa (cito de cor) que a literatura portuguesa vivia um momento extraordinário e que os novíssimos davam cartas a nível mundial.
Parece-me uma distorção. Não há novíssima literatura portuguesa, mas apenas uma nova geração de escritores, todos muito diferentes uns dos outros, em busca da sua forma pessoal de contar histórias. Eles não estão a fazer nenhuma ruptura com o passado, mas a dar continuidade a uma tradição de séculos. Nos órgãos de comunicação confunde-se potencial com idade dourada, juventude com génio. E aqui se lançam as bases de um mito que torna tudo o resto invisível.

Não imagino o que poderá dar esta geração de escritores actualmente por volta dos 30 ou 40 anos. Provavelmente muito, mas é cedo para dizer. A literatura é uma corrida de maratona.
No século passado, houve de facto uma geração extraordinária, a que nasceu na década de 20, mas só agora nos apercebemos disso. José Saramago, José Cardoso Pires, Agustina Bessa-Luís, Luís Sttau Monteiro, Urbano Tavares Rodrigues, António Ramos Rosa, David Mourão-Ferreira, Alexandre O'Neill, Dinis Machado, Carlos de Oliveira ou Mário Cesariny são alguns exemplos de grandes autores. É preciso incluir Sophia de Mello Breyner, Jorge de Sena e Vergílio Ferreira, os três um pouco mais velhos, mas claramente da mesma geração.
Esta lista, muito incompleta, mostra que da parte dos media contemporâneos, o reconhecimento do mérito não pode dispensar boa dose de pragmatismo e humildade.
E podíamos fazer listas sobre outras épocas: as de Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco, de Fernando Pessoa, de António Vieira ou Fernão Mendes Pinto.
Portugal tem longa tradição na literatura, sobretudo na poesia. Camões é uma figura enorme, cujo brilho devia envergonhar esta actualidade mediocre e sombria.
E já viram como é bem difícil ser poeta agora? Onde publicam os novíssimos? Quem lhes compra os versos?

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