domingo, 27 de fevereiro de 2011
Promessa 2 - Histórias recicladas
Ainda um dia aqui hei de contar, com tempo que agora não tenho, sobre certo operário da reciclagem de resíduos urbanos. Sobre como estava ele atarefado na linha de triagem de papel usado, certa manhã, quando um fragmento de manuscrito lhe aterra nas mãos. Algo mal rasgado, atirado para o lixo à pressa, desvendando ali inesperadamente, nos volteios do ciclo da celulose, um pedaço de história. Hei de contar como, sendo o papel colorido, rosado, o operário pôs em alerta máximo o seu sentido da visão e outros de que normalmente não se fala, e procurou sofregamente mais restinhos de folhas semelhantes, por entre o amontoado caótico que durante a manhã foi desfilando à sua frente. Como à saída para o almoço se lhe acumulavam no bolso do guarda-pó, em bolas e bolinhas de papel vincado, maltratado, sujo, despedaços do pensamento de alguém: “… o segredo é um fator de organização de qualquer sociedade e… “, “… a revelação da confidência alheia é sempre um momento de intensa emoção? Pois viciada nessa emoção, Laurinda dava à língua sem dó nem…”, “Sabendo ser a felicidade das coisas mais difíceis de entender, meteu-se à estrada p… “, “… tu hás de morrer ignorando muita coisa que te faria falta sab…”. Etc.
Bem, fica prometido. Posso adiantar que este operário (Celúlio Brito, já agora) sonhara em novo ser engenheiro florestal, projeto que a idade adulta transmutara em moderada frustração. Hei de contar como, no final dessa magnífica jornada em que o tapete sujo da triagem lhe foi oferecendo um puzzle improvável, ele mudou de ângulo a objetiva das aspirações, vendo-se momentaneamente como um distinto bibliotecário: As bibliotecas devem ser dos locais neste mundo onde um gajo tem menos chatices.
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