Não ouvi logo a música. Afinal, estamos tão sintonizados para o ruído: as portas que batem e guincham, a trovoada surda do trânsito, apitos de máquinas, estrondos de coisas que se entre-chocam, música a gritar nos cafés, nas esplanadas, nos espaços públicos. Talvez por isso, porque estamos estamos sempre à espera de barulho, não ouvi logo a música. A suavidade sim, chegou até mim. Uma calma especial, misturada com o sol que entrava pela janela. Foi então que ouvi o dedilhado suave da guitarra, atrás de mim. Virei-me a medo, não fosse aquilo desaparecer de um momento para outro. O homem era real, e também a guitarra; e a suavidade de ambos sobrepunha-se ao ruído do comboio rolando sobre o metal dos carris e foi crescendo até só existir aquele dedilhado melodioso que dominava tudo. A música só terminou quando findou a viagem, mas no ar ficou ainda uma suavidade feita de silêncio e da memória da melodia nas cordas. Sem uma palavra, sem um gesto a mais, o homem guardou a guitarra e preparou-se para sair. Quis agradecer-lhe, mas não pude quebrar o silêncio. Agradeço-lhe agora. E espero que volte.
Muito bonito. Guarda essas notas soltas. Na alma, afinal donde vieram.
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