Cheguei a este tema através do blogue de José Mário Silva, Bibliotecário de Babel, que faz um link para o blogue de António Granado e este para um texto que discute de forma bem interessante a questão da dimensão ideal das prosas de jornal. É uma discussão muito em voga nas redacções e eu estou do lado daqueles que defendem a necessidade dos artigos longos: acredito que os leitores lêem textos grandes e gostam deles, desde que sejam bem escritos.
Um jornal deve conseguir um equilíbrio entre textos extensos e outros curtos. Para mim, o jornalismo bem escrito não necessita de frases bonitas e muitas palavras tiradas dos dicionários de sinónimos; bem escrito é ir ao ponto e nunca tentar embelezar os factos. Isso pode ser conseguido numa síntese e em grandes reportagens.
Um texto de Viale Moutinho, no Diário de Notícias, foi a única prosa de jornal que me fez chorar. Não era sentimental, nem nada. A reportagem sobre um caso famoso em Amarante estava mal paginada e era uma peça secundária em página interna. O mecanismo que produzia a comoção era uma frase no final do pequeno texto de 50 linhas (teria, no máximo, 1500 caracteres); nada de especial, mas uma ideia de tal maneira forte, que um leitor ficava imediatamente ligado a um aspecto pungente daquele drama, até aí nunca pressentido, que não era bem a morte da pessoa, mas o facto de não restar nenhuma fotografia dela e, por isso, ninguém a conseguir descrever com exactidão. A vida da vítima não deixara senão vagas lembranças nos vivos que a tinham conhecido. A sua morte produzira em poucos dias um esquecimento completo do rosto. E isso parecia ainda pior do que a morte horrível que ela tivera.
Cada prosa tem a sua dimensão precisa; e cada autor escreve com estilo próprio, à sua maneira, que permite certa flexibilidade de corte, um acabamento imprescindível que melhora todas as prosas.
Sobretudo, é importante perceber que, em alguns temas, decretar à partida uma dimensão inferior ao necessário equivale a estragar o compromisso que se estabelece entre jornal e leitor. Não é possível tratar certos temas em dimensões inadequadas. Se o texto for demasiado grande para uma reportagem desinteressante, o resultado será o de criar páginas intragáveis. O inverso condena o texto à confusão e equivale a uma mutilação das ideias. E, no entanto, alguns sabichões decidiram que a imprensa deve sempre poupar palavras, pois a atenção dos leitores e blá-blá-blá. Trata-se de uma daquelas regras que, ao serem aplicadas a todos os casos, se transformam em dogmas oficiais que nenhuma ciência comprovou e que todos sabem serem errados. Os grafismos ganharam importância decisiva, como se o papel de parede de uma casa fosse mais importante do que a qualidade dos tijolos.
Mitos, claro, mas como dizia o outro, quando o mito se torna facto, publique-se o mito.
A blogosfera e os jornais digitais são hoje as plataformas dos textos curtos e das pequenas ideias condensadas, pois aí os leitores circulam com maior facilidade e têm menos tempo disponível para cada autor. Os jornais andam a fazer concorrência às cadeias de fast-food e tentam oferecer por sua vez pratos mais simples e pequenos, em meias-doses cada vez mais minúsculas. Deviam tentar o inverso, tornar-se sofisticados e mais caros; deviam procurar oferecer menos informação, mas de maior qualidade; deviam ser inovadores e criativos; deviam experimentar a gastronomia mais arrojada e cosmopolita. Isso faz-se com boas prosas, em textos bem escritos, e que não tenham medo de ser bem escritos. Uma única foto, de grande impacto, tem mais força do que cinco mais pequenas.
É interessante que alguns editores mencionem o fenómeno contemporâneo dos livros compridos. Um romance deseja-se substancial e gordo, como se os leitores tivessem medo de que um romancista parco em palavras seja demasiado esotérico. A anorexia é chata, por muito que a moda insista em vender essa mitologia da beleza.
Tudo isto é paradoxal: deixámos de ler poesia e os livros de contos são quase impublicáveis. Ninguém compra coisas curtas. Parece que se está a dar muito dinheiro por pouca substância e, ao contrário, a obesidade literária parece solidez. Na dúvida, leva-se sempre o mais pesado.
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