segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

E os livros perderão a sua magia


O politicamente correcto chegou a este ponto, de pegar num clássico americano e tirar-lhe o sabor de uma linguagem de época, alterando subtilmente duas palavras, negando-lhe o sentido original, tirando-as do contexto histórico. As palavras malditas são "nigger" e "indjun", substituídas por "escravo" e "índio". Muitas pessoas são contra, naturalmente, e proliferam os protestos. As edições originais de Huckleberry Finn ainda serão publicadas, embora imagine que no futuro muitas bibliotecas prefiram a edição revista. Ainda por cima, Mark Twain não era racista, tentara captar a linguagem que de facto existia no tempo da sua infância, nas margens do grande rio Mississippi.

Hoje, num mundo onde as ideologias se esbatem, triunfa uma espécie de puritanismo de comportamento, muito autoritário e fingidor, que atrás da capa da hipocrisia impõe a visão sanitizada da História. É uma forma de revisionismo, de limpeza de arquivos, no fundo como faziam os soviéticos nas famosas alterações de fotografias dos dirigentes comunistas, em que as pessoas que caíam em desgraça íam desaparecendo dos factos.
No nosso mundo digital, onde cresce a incerteza sobre o que é real e o que foi manipulado, esta mudança constante dos padrões da verdade é ainda mais fácil de realizar do que num passado que inspirou 1984 de George Orwell.
Talvez este seja o mundo do futuro, em que os escritores já não terão qualquer certeza sobre aquilo que verdadeiramente escreveram. Na qualidade de clássicos, os seus textos serão alteráveis pelas circunstâncias, adaptados ao novo tempo, acrescentados e diminuídos conforme a conveniência ideológica do momento, numa actualização permanente dos valores que tentaram transmitir.
Os livros deixarão de envelhecer, na realidade, mas o preço será o de perderem parte da sua magia.

1 comentário:

  1. Pobre Jim. Pobres parolos politicamente correctos, que subvertem a própria linguagem, como se as raças, o sexo, as classes e as ideologias não existissem. Consta-me que nuestros hermanos vão alegremente pelo mesmo caminho. Enfim, vamos resistindo como e enquanto pudermos.

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