sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

As fotografias perdidas de Mary Poppins


Não sei se esta é uma história triste ou uma história bela. Talvez a tristeza e a beleza possam andar de mãos dadas, como acontece na vida e obra de uma mulher misteriosa, Vivian Maier, cuja figura tem de ser imaginada. Era uma mulher muito simpática, dizem os que a conheceram. E toda a gente se encantava com a sua bondade natural. Os que na altura eram crianças e tiveram a sorte de se cruzar com ela, recordam uma espécie de Mary Poppins; e quem viu o filme terá de sorrir.
Sabe-se que nasceu em 1926, em Nova Iorque. Que regressou à grande cidade depois da II Guerra Mundial e que viveu bastante tempo em França, embora ninguém saiba o que ali fez. Estaria por lá durante a guerra? Mas como era isso possível?
Enfim, temos de preencher um enorme vazio, imaginar.
Quando regressou a Nova Iorque e Chicago, Vivian trabalhava como educadora infantil e usava sotaque francês, o que me parece um detalhe delicioso. Seria snobismo? Mas isso não joga com o resto. Prefiro pensar que era excentricidade. Vivian (vivia) num mundo pessoal que não partilhou com ninguém, excepto nas aventuras que os petizes recordam ainda, daquela senhora que parecia Mary Poppins, e sobretudo nas fotografias amadoras, melancólicas e sentimentais, que por acaso se salvaram. Imagens cheias de ternura e de um olhar bondoso, de imperfeita simetria que é, afinal, a forma do próprio mundo humano. Mas as fotografias eram negativos que ela guardou até à velhice. Apenas negativos, que só ela sabia o que continham, e que se perderam.

As fotografias salvaram-se por mera sorte, leiloadas e encontradas na caótica acumulação de objectos inúteis em que se transformam todas as obras de arte, todos os rastos das nossas vidas, todas as lembranças daquilo que fomos.
Alguém reparou nelas: não foi momento de iluminação, apenas um processo, como se aquela visão, o mundo secreto de Vivian Maier só fizesse sentido após a revelação. As imagens tinham primeiro de ser transformadas. E só então se podia ver o mundo interior e secreto daquela mulher estranha.
A história que se conta tem ainda uma crueldade final: quando foi "descoberta", Vivian morrera três dias antes.
Ou talvez isto não seja exactamente cruel, apenas muito lógico e acertado. Vivian Maier nunca pretendeu ser "descoberta" ou que lhe interrompessem o silêncio. O seu mundo era tão belo e tão triste, que era só dela.

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