segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A dieta de Rita


Zangada, ela tinha olhares tiranos,
dizia o que lhe vinha à cabeça.
Passou-se isto há uma porrada de anos
ninguém espera que lhe aconteça.
A sinceridade pode causar danos,
mas Rita fazia sempre tiro à peça.

Tenho alma tranquila e quieta,
nas mulheres isso dá boa nota.
Mas a minha amada estava em dieta
Andava nervosa, toda espigadota.
Comíamos numa tasca discreta
E ela acabou tudo, pensei que era anedota.

Rita disse que eu era um fracassado
e olhei as escadinhas do Bairro Alto.
Foi assim, à bruta, tudo acabado.
Faltas-me, amor, protestei; não, não falto.
O meu sonho jazia arruinado
E, aqui, o tempo tem de dar um salto.



O amor devia ser simples, no fundo,
dois amantes alheados do mundo
Mas para mim foi um sopro, uma aragem
Falta-me fôlego, um pouco de coragem.

A taberna onde comíamos já não existe
quem a procura mais depressa desiste
É agora parte de um prédio devoluto
um entre muitos nesta cidade em luto


Sou um tolo, um parvo, um otário
Escusado procurarem no dicionário
Quero dizer que gastei a minha vida
Para o tempo me ganhar a corrida


Viver não é mais do que mistério
Andei como anda um surdo ou um cego
Ausente, esquecido, meio aéreo.
Muita raiva e dor não renego
Por um amor, o único que senti a sério
Afinal, tão preciso a magoar o ego


Vinte anos depois, nem a reconheci
Como se fosse um fantasma, ali estava
Anos a mais, menos segura de si
Contou que vivera fora e agora regressava
Perguntou-me o que eu fizera e menti
Também não acreditei no que me contava

Há um epílogo nesta história.
Com a idade, a minha alegria acabou,
as lembranças apagam-se da memória.
Ando por aqui, apenas nada mudou.
Mas agora cabe-me a cruel vitória
Já esquecia: a dieta dela não funcionou.

1 comentário:

  1. Delicioso. A lembrar a toada poética de algumas canções de Chico Buarque.

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