terça-feira, 20 de setembro de 2011

Equinócio



A casa era igualzinha à minha, mas o chão tinha soalho flutuante escuro e nas paredes havia muito mais quadros e fotografias. Numa delas aparecia uma criança de cabelos loiros e olhos muito abertos, que identifiquei de imediato como a Luizinha, e a que tirei o pó com um dedo e dois valentes sopros.
O sofá estava coçado nos encostos e tinha uma cova no assento da ponta, onde ela se reclina a ler revistas ou a olhar o vazio.
A sala cheirava a chocolate, como se tivesse ficado acesa uma daquelas velas aromáticas. O que eu não dava por uma mousse! Espero que a Luizinha saiba cozinhar, que fast food não é nada saudável. É uma verdadeira praga, esta coisa do take away, se bem que dá jeito para comer sentado no sofá, frente à televisão. Liguei o aparelho dela – um velho LCD – e pus em mute. Na SIC Notícias falavam de nós, num directo junto ao portão de um dos institutos. Em rodapé corria «Mais de duzentos internados libertados esta manhã». «Suspeitos de comportamento amoral estão a ser deixados em casa». « No Jornal da Noite, entrevista exclusiva com a cineasta Raquel Freire – um dos internados de Beja».
Da cozinha chegava um apito constante, uma espécie de alarme. Devia ser o frigorífico a queixar–se da comida fora de prazo. Fui à janela para ver a minha casa. Os meus estores estavam todos levantados, e viam–se as paredes nuas. Por uma das portadas podia vislumbrar–se o tripé dos meus binóculos. A casa não parecia remexida, mas alguém foi arejá–la. Provavelmente a minha mãe, que é a única que tem uma chave.
O Outono chegava convicto e lavado. A rua estava cheia de folhas caídas, pintada de dourado duma ponta à outra. A lua já espreitava no meio de nuvens vagas, num céu plúmbeo que se confundia com a fachada dos prédios, mas acolhedor.

Sem comentários:

Enviar um comentário