terça-feira, 26 de abril de 2011


Não longe dali, no Ministério:
- Meus amigos, a tomada de posse dos novos dirigentes intermédios é amanhã. O Sr. Ministro reúne ainda pouco background nestas matérias, como é do conhecimento geral. Vem da área do desporto, depois de ter passado pela segurança social, pelos negócios estrangeiros e pela defesa, e confia portanto em nós, concretamente neste dossier. Acabou por anuir ao nome do técnico silvicultor Calisto Marcelino para uma das áreas mais sensíveis do país: a Paisagem Protegida do Lago Simboa. Nos próximos três anos de comissão de serviços do novo gestor, creio que será possível levar a bom porto o projecto que todos temos em mente e que se vem arrastando há quase meia década.
Ao redor da mesa mexem-se os ocupantes das cadeiras, em aparente e subtil sintonia, como se por todos perpassasse uma invisível onda. O funcionário prossegue sem delongas, indiferente ao único lugar cuja imobilidade revela certa imunidade ao espírito geral:
- Penso que ficaremos todos a ganhar: ganha a população, que ainda representa uns significativos milhares de eleitores, ganham os empresários da região, após anos de expectativas goradas e de investimentos sem retorno satisfatório, ganha o ministério, porque, embora um tanto veladamente, receberá contrapartidas justas das portas que abrir..
- Que escancarar, pensa a cadeira pouco ortodoxa
- ... e ganham os próprios recursos naturais da região, claro está, sem dúvida que ganham, basta pensar que parte dos dinheiros em jogo será usada em programas concretos para os beneficiar, agora que os fundos comunitários nos viraram definitivamente as costas. – Alivia brevemente a postura para um desabafo de somenos: - Que diabo, o lago está a vinte quilómetros da capital, não pode ser um reduto de águias, veados e índios saloios! Isto não é a Islândia, isto é um país todo povoado!
- Há que contar com os movimentos ambientalistas. Alguns…
- Esse é o único aspecto que falta salvaguardar! Mas creio que o conhecido charme do novo director se encarregará de amolecer as associações locais no seu furor anti-progresso. Digo eu, que já ando nisto há muitos anos.
E era verdade, a avaliar pelo rol de grupos económicos de ponta que se sucediam no seu currículo como acolhedores dos seus serviços de consultor, director adjunto, gestor financeiro, assessor de direcção, etc.
- Um aspecto interessante nesta geração dos trintas-quarentas – prossegue o alto funcionário -, isto cá para nós, é que ao dar-nos uma parcela de gente com as ilusões da democracia alargadas à Ecologia, disponibilizou, para compensar, um conjunto significativo de malta ambiciosa, sequiosa de poder, vaidosa e dependente do marketing, disposta a sacrifícios para criar e garantir uma boa imagem. E uniformemente distribuídos, devo dizer: oriundos de meios mais ou menos modestos, com nomes mais corriqueiros ou mais sonantes, das áreas das biologias ao direito, das engenharias à economia. É barro pronto a moldar. E este nosso personagem urbano, futuro director, embora a entrar na meia-idade, representa com distinção estas novas fornadas.
Também isto se afigurava verdade. Pelo menos, tirando as já referidas insatisfações, que contribuíam para a sua fama de não dever muito à honestidade. Acresce ainda que a Calisto não se lhe conhecia, à data da ministerial nomeação, qualquer passado de devoção à causa pública. Mas também não é preciso.
- Houve aí uns zunzuns, já por diversas vezes, na Agricultura e nas Florestas, que têm algum fogo por trás, o que até nos pode vir a ser útil, como moeda de troca. Nunca se sabe. O importante é que a fama de pouco sério que antecede o eng.º Marcelino ainda não atingiu níveis que estimulem os ouvidos dos media e portanto não compromete o Ministério; os media não o conhecem, os ecologistas locais tão pouco, começa com a imagem imaculada. Tem compleição simpática, cara de miúdo inocente e é baixito, o que tem muito que se lhe diga do ponto de vista da psique das pessoas. De resto, foi desde logo providenciada uma assessora para a imagem, no intuito de lhe proporcionar desde a primeira hora um pacote completo de noções básicas de postura de voz, linguagem corporal em ocasiões de confronto com os representantes locais da população, etc. Enfim, o habitual nestes casos.
- Portanto, os ambientalistas…
- Não púnhamos a carroça adiante! Este novo elemento parece não primar por um carácter muito sólido, o que no caso significa uma mais-valia preciosa, mas é-lhe reconhecida capacidade de coordenar grupos de trabalho técnico com fins muito específicos. – Dirige-se à cadeira ingrata separadamente: – Os ambientalistas gostam de resultados, certo? – E continua, em tom de quem desconsiderava o próprio parêntesis: - Estimulamos-lhe o garbo, damos-lhe uma tarefa concreta com timing que o mantenha ocupado, supostamente de vital interesse para a região, e rezamos para que aguente o barco sem o afundar até à saída da nova lei. Vai entrar um novo técnico, para contarmos com mais um apoio lá dentro, e os que já lá estão continuam a postos. – Deita os olhos ao tecto trabalhado em madeira de nogueira da Beira Baixa: - Há anos que estão a postos.
Uma secretária entra a anunciar alguém para a reunião seguinte.
- Lembro-lhes, meus senhores: nisto, como em tudo na vida, vai ser preciso paciência. Paciência, ok?

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