Maria do Rosário Pedreira, neste post de Horas Extraordinárias, explica um dos pontos cruciais da literatura portuguesa contemporânea, raramente mencionado. Trata-se da questão económica. As contas ali feitas são aliás bastante optimistas e, para ter acesso a bolsas e subsídios, é preciso já ter obra ou prémios, ser minimamente conhecido. Diz-se que os autores ganham o mesmo que as empregadas domésticas, mas a maioria nem isso ganha.
Depois, existe o aspecto mediático. Não é escritor quem quer, mas quem o parece. O autor não é lido e, portanto, tudo depende da maneira como ele fala, como passa na TV, para não falar da paginação: a juventude e a beleza têm vantagens. Quando for conhecido, será lido, mas então beneficiará do fenómeno das vendas pelo efeito mediático, que funciona como uma bola de neve. Quanto maior for a exposição, mais conhecido o autor e, portanto, maiores as vendas.
Em certo ponto, o editor terá tendência para publicar o autor mediático; afinal, ele venderá bem, pois terá acesso privilegiado à televisão e a entrevistas de jornais. Será tolice não o publicar. Os seus livros terão críticas nos raros jornais que ainda mantêm críticas (e, aqui, o espaço é finito, portanto a alegria de uns é a tristeza dos outros).
Assim, existe hoje um sistema literário com dois patamares: o que vende e o que não vende; o mediático e o não mediático.
Isto, obviamente, não tem nada a ver com literatura, que a prazo estará condenada. Este é um caso típico em que a má moeda expulsa a boa. Como o mercado é pequeno, tem capacidade para sustentar apenas um pequeno lote de autores. Alguns deles têm qualidade e merecem os favores do público, mas outros só lá estão por serem mediáticos. E o tempo produz uma selecção natural a seu favor. O vencedor é quem tem melhor adaptação ao meio, o escritor da moda.
Quanto aos que não vendem, o destino é triste. Escrever enquanto se tem outra profissão (já agora, o caso do autor destas linhas) é uma actividade de Sísifo. É um escrever nas horas-vagas e no cansaço; abdicar da família, da carreira e do futuro.
Escrever bem exige pensamento profundo e reflexão longa. Não dispensa o erro e a compreensão dos defeitos. Implica esforço e persistência. Não há volta a dar: um escritor amador será sempre um amador.
É por isso que a literatura portuguesa tende a morrer ou a tornar-se banal. Traduzir é mais fácil e a comparação entre um profissional estrangeiro e um amador português só pode favorecer o estrangeiro. passa a existir uma literatura de importação, sem visão própria do mundo.
A situação tem semelhanças com o futebol: imaginem um campeonato onde se tornou mais simples e barato contratar jogadores brasileiros ou argentinos já completos do que investir em jovens portugueses. A prazo, a selecção nacional tenderá a decair.
A analogia esconde um problema adicional: há menos romancistas e poetas do que jogadores de futebol. Esta última frase contraria um mito batido, segundo o qual "agora, toda a gente escreve". Nada disso, é ao contrário. Os autores portugueses são desperdiçados, até desprezados pela sociedade, já que agora está na moda desconsiderar os intelectuais e sobrestimar os ricos.
Apesar de serem bem mais raros do que os atletas que idolatramos, os escritores são hoje dispensáveis.
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