sábado, 25 de setembro de 2010

O pão e o plástico




Na Viena da sua infância dos começos do século XX, Bruno Bettelheim adorava os cacetes quentinhos que eram a mais conhecida especialidade da padaria Âncora. Devorava-os ao pequeno-almoço e entre as refeições. Foi esse prazer do jovem Bruno pelos pães Âncora que o ajudou, como partilhou num dos seus ensaios, a perceber mais tarde as madalenas de Proust.  
Talvez o odor, sabor e textura desses cacetes tenham regressado pela ausência à memória de um esfomeado e já adulto Bruno, durante esse ano de aparência interminável que passou entre os campos de Dachau e Buchenwald.
Em 1983, o autor de Psicanálise dos Contos de Fadas representou o seu próprio papel em Zelig, tal como Saul Bellow e Susan Sontag. Woody Allen escreveu uma vez: "Podes viver até aos cem se abdicares de tudo o que te dá vontade de viver até aos cem". Bettelheim viveu até aos 87. Depois abdicou dessa vontade de viver e de tudo o resto, incluindo a decadência da mente e do corpo, asfixiando-se enfiando a cabeça num saco. Entre o cheiro do plástico misturado com o do seu último hálito e o aroma do pão saído do forno decorreu uma vida. 

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