Acordávamos estremunhados, ou talvez não chegássemos sequer a dormir, com medo das horas. A noite embrulhava-se, ainda, no escuro e nós vestíamo-nos à pressa, enfiando a roupa preparada de véspera, sem fazer barulho. Queríamos tanto ir.
E então íamos, muito calados, a conter a ânsia da viagem que nos levaria para longe, para uma outra vida de tardes de sol e de sestas, de pedrinhas brancas de pederneira e folhas cheirosas dos arbustos, de fruta apanhada das árvores, de correrias e brincadeiras. Uma vida que durava os três meses inteiros que durava o Verão.
A viagem. Uma camioneta ronceira, que partia de uma praça de Lisboa, junto a uma garagem de proporções gigantescas (pensávamos nós). O céu iluminava-se de púrpura e vermelho, vencendo a escuridão aos poucos, e à volta da camioneta era uma confusão de malas atadas com cordas, de cestos de verga e vozes sobrepostas. O motorista queria sair à hora e nós corríamos para os lugares de trás, era mais divertido, dizíamos nós, já não me lembro porquê. O farnel sobre as pernas (um panado no pão e uma peça de fruta embrulhados num guardanapo de pano), e lá íamos. Era a festa da camioneta a sair da cidade, a entrar naquelas estradas onde começavam a rarear as casas e a suceder-se as curvas.
A paisagem transformava-se, viam-se cavalos e manadas de vacas, casas de pedra isoladas nos campos, o licor beirão nas fachadas de granito das vilas perdidas no meio dos montes (o que é isso, licor beirão? mas a nossa mãe também não sabia), o cansaço das curvas, e do ronco da camioneta nas curvas e nas subidas, os pinheiros e os barrancos (nunca mais chegamos, quando é que chegamos, mãe? E ela, sempre a mesma resposta, ainda falta, dorme um bocadinho).
Nós dormíamos e a camioneta seguia devagar, sempre às curvas. Levava o dia inteiro naquilo, até que avistávamos a lagoa de águas mansas, os juncos nas margens cobertas de seixos negros, os patos voando em bando. Estávamos quase a chegar e o nosso entusiasmo reacendia-se. Esquecíamos o cansaço, o caminho ficava para trás. À chegada, lá estava a nossa avó, sorridente, à espera. Pela frente, teríamos dias inteiros de brincadeira e correrias, de pedrinhas brancas e folhas cheirosas dos arbustos, tardes de sestas e o aroma eterno da resina dos pinheiros. O tempo corria devagar, a nosso favor.
E então íamos, muito calados, a conter a ânsia da viagem que nos levaria para longe, para uma outra vida de tardes de sol e de sestas, de pedrinhas brancas de pederneira e folhas cheirosas dos arbustos, de fruta apanhada das árvores, de correrias e brincadeiras. Uma vida que durava os três meses inteiros que durava o Verão.
A viagem. Uma camioneta ronceira, que partia de uma praça de Lisboa, junto a uma garagem de proporções gigantescas (pensávamos nós). O céu iluminava-se de púrpura e vermelho, vencendo a escuridão aos poucos, e à volta da camioneta era uma confusão de malas atadas com cordas, de cestos de verga e vozes sobrepostas. O motorista queria sair à hora e nós corríamos para os lugares de trás, era mais divertido, dizíamos nós, já não me lembro porquê. O farnel sobre as pernas (um panado no pão e uma peça de fruta embrulhados num guardanapo de pano), e lá íamos. Era a festa da camioneta a sair da cidade, a entrar naquelas estradas onde começavam a rarear as casas e a suceder-se as curvas.
A paisagem transformava-se, viam-se cavalos e manadas de vacas, casas de pedra isoladas nos campos, o licor beirão nas fachadas de granito das vilas perdidas no meio dos montes (o que é isso, licor beirão? mas a nossa mãe também não sabia), o cansaço das curvas, e do ronco da camioneta nas curvas e nas subidas, os pinheiros e os barrancos (nunca mais chegamos, quando é que chegamos, mãe? E ela, sempre a mesma resposta, ainda falta, dorme um bocadinho).
Nós dormíamos e a camioneta seguia devagar, sempre às curvas. Levava o dia inteiro naquilo, até que avistávamos a lagoa de águas mansas, os juncos nas margens cobertas de seixos negros, os patos voando em bando. Estávamos quase a chegar e o nosso entusiasmo reacendia-se. Esquecíamos o cansaço, o caminho ficava para trás. À chegada, lá estava a nossa avó, sorridente, à espera. Pela frente, teríamos dias inteiros de brincadeira e correrias, de pedrinhas brancas e folhas cheirosas dos arbustos, tardes de sestas e o aroma eterno da resina dos pinheiros. O tempo corria devagar, a nosso favor.
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