segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A ambulância cor-de-laranja



A oferecida da vizinha preparava-se para sair. Estava a acabar de dar um jeito ao cabelo, na casa de banho.
– Vuuuuuuuuuuuuuu. Toc, toc, toc. Klank. Toc, toc, toc. Vuuuuuuuuuuuuuuu. – O secador soprava, eléctrico e ritmado, através do tecto, interrompido pelos retoques na maquilhagem e mais uma troca de roupa.
Andava de saltos altos pela casa fora, como se estivesse na passerelle. Nem os tirou quando chegou do trabalho. Mas a roupa mudou, ai se mudou, que aquele fato másculo de advogada em ascensão não serve para a night. Sinceramente, não percebo como se pode andar de sapatos calçados em casa. A coisa que mais gosto é de estar de pantufinhas, ou descalço se estiver calor, para sentir os azulejos frios da cozinha e as franjas dos tapetes do corredor nos dedos dos pés. E só com o meu pijama vestido, ou com uns calções largos e uma t-shirt XXL esguedelhada.
Esta, anda quase sempre de saltos de agulha. É daquelas que nem os tira quando se põe de lingerie a excitar os namorados. Também já a ouvi a gemer que nem uma arara, a empenar o estrado da cama e a pedir mais força, mais força, meu cabrão! Uma desavergonhada. Mas agora põe sempre música alta, ou a televisão, para disfarçar.
Se eu desligar tudo, consigo perceber perfeitamente em que divisão está e o que anda a fazer. Chama-se Madalena, nem de propósito. Madalena Brito. Já memorizei os horários dela: de quinta-feira a domingo nunca aparece antes das cinco, seis da madrugada, a tropeçar nos degraus e a cantarolar, antes de arranhar a porta toda com a chave. E na semana de licença menstrual faz tudo menos repousar, como pretende a regulamentação, e chega a ficar às duas e três noites sem aparecer em casa. Nos outros dias finge que se porta bem, numa firma de advocacia de que aspira a ser um dos sócios. E já a vi na televisão uma vez, a defender a Luciana Abreu quando esta se divorciou daquele avançado negro do Everton, o Yannick Djaló.

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