segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Flores de papel-III*


Silenciosa, Mariana aguardava, olhando-os fixamente. O Águas compreendeu que teria de dizer tudo até ao fim. Inspirou com esforço.
“Queríamos pedir-lhe o grande favor de nos fazer as flores. A gente dá o arame e o papel...a filha da Albertina pode ajudar.”
Pronto, tinha pedido. E agora, que se rebaixara, já não estava disposto a baixar outra vez os olhos. Encarou-a, com um misto de raiva e de uma força que não compreendia bem. Já podia calar-se também.
Mariana permanecia imóvel. O tempo parecia parado na sala imensa, embora o relógio de parede continuasse com o seu tique-taque irritante, pensou o Águas, que começara a torcer outra vez o chapéu entre as mãos.
Sem aviso, a mulher pareceu então despertar. Juntou as mãos, como se fosse rezar, levou-as assim juntas aos lábios, e sem se erguer da cadeira, encarou o homem com uma expressão estranha, um sorriso quase amável nos lábios. Não havia raiva no seu olhar, apenas alguma tristeza, ou um resto de doçura. O olhar que lhe conheciam de sempre, pensou o Águas.
 Não lhes queria mal, não. Eram só uns fracos. Foi nestas palavras que ela pensou. Devia dizer-lhes que sim? Reviu os últimos meses, um tempo pardo e estranho. Os tropeços do Albano, sempre com aquela saudação “santas tardes menina Mariana”, e mais nada. A ferocidade das mulheres, todas de preto, que se juntavam a cochichar, o silêncio cobarde dos homens. E agora queriam flores.
“Vou pensar”, disse ela. “Passe cá amanhã”, respondeu ao Águas.
 Deixou-se ficar sentada e deixou também de os olhar, como se já não estivessem na sala. Observava agora, através da janela, as montanhas que se esbatiam no horizonte, para lá dos telhados e dos pomares, para lá da floresta comacta de pinheiros. Eles despediram-se à pressa. Recuaram até à porta, atabalhoados, como um rebanho desordenado, e saíram. Mariana tinha o olhar perdido na janela, fez apenas um gesto breve que podia ser de despedida.
As flores? Sim, talvez fizesse as flores.

*Conclusão

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