sábado, 1 de outubro de 2011

Flores de Papel-I



Sabia que viriam. Com as festas a chegar, as flores por fazer e a Albertina tolhida, teria de ser. Não iria ficar despido o andor, isso nunca tinha acontecido antes. Tinha-os esperado todos esses dias, escutando os próprios sonhos, e as vozes distantes, nas tardes mansas, quando um vento morno se levantava nas copas dos pinheiros. Sentava-se na penumbra da sala, na velha cadeira de baloiço e ficava em silêncio, escutando o que lhe pareciam vozes segredadas. Murmúrios, como um rumor de ondas embrulhadas, muito ao longe, que vinham ter com ela, trazendo palavras soltas. Ouvia-as misturadas nos próprios pensamentos, não sabia explicar. Sabia apenas que viriam.
Estavam ali, agora, perfilados na sua frente, embaraçados, num aprumo que não era deles. Olhou-os em silêncio. Deviam ter bebido um copo para ganhar coragem daquela aguardente bruta, que faziam em alambiques desconjuntados à sorrelfa, na penumbra das caves sob o sobrado das casas. Olhou-os um a um, como se o tempo fosse todo dela, encostou-se na cadeira e esperou. Tinham os rostos afogueados, os olhos postos no chão. Podia esperar.
A casa tornara-se mais sombria. Ou talvez fosse uma nuvem passando de manso sobre a aldeia, não importava. De repente, no meio do silêncio, o aparador estalou, sobressaltando os quatro homens. Mariana reprimiu o riso, pensou que fariam mais uma história. “Ali até os móveis gemem”, diriam uns aos outros, baixando as vozes, arregalando os olhos.
Adiantou-se o Joaquim Águas, muito apertado no fato, com a barriga a saltar do cinto, o cabelo ainda húmido mas já a desmanchar-se, e a escorrer suor nas têmporas, apesar da frescura na sala. Apertava a aba do chapéu de feltro nas mãos, sem dar conta. Encarou a rapariga sentada, de olhos serenos pregados nos dele, tropeçou nas palavras. Os outros pareciam perdidos num vazio qualquer.
“A menina Mariana, desculpe”, gaguejou o homem, como que a tomar balanço. “Viemos por todos”. Virou-se para trás, mas os outros três encolheram-se mais. Dissesse o que tinha a dizer, que se despachasse. Por eles nem estariam ali. O Fagundes lançou um olhar ao Águas, quando ele se virou para trás. O outro percebeu, ganhou balanço.
“Sabe ao que vimos.A Albertina, de repente entrevada, as festas à porta e não há flores para o andor. E mais ninguém para as fazer”. A voz esmoreceu-lhe. O Águas queria parar ali, ela com certeza percebera, raios. Mas o silêncio alongava-se, numa agonia. 

*Esta história continua

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