terça-feira, 11 de outubro de 2011

Escaravelhos nos Ouvidos



Acabara de acordar, a gritar e a escorrer suor.
Desta vez, agradeci o sol ofuscante que me queimava as têmporas. Sonhei que a Luizinha tinha morrido. Estava ali comigo, mas defunta.
Não sei como, não me lembro porquê, mas fui buscá–la a um caixote do lixo malcheiroso, nas traseiras do edifício. Tinha o corpo rígido, frio, encardido e desconjuntado, com uma erva daninha a crescer no ventre.
E corri com ela nos braços pelo parque fora, aos soluços e a bradar aos céus, a pedir ajuda e a enxotar um corvo que lhe queria comer uma orelha e o nariz. Ninguém veio, ninguém quis vê–la, ninguém quis salvá–la.
Agiram como se não estivéssemos ali, como se não existíssemos, mas desconfio que espreitavam com mil olhos das janelas e troçavam do desespero que sentia, da catástrofe que nos tolhera. Ficámos à porta do Sanatório, numa tarde de enorme calor e vento seco e ruidoso, eu chorava com a Luizinha despojada a meus pés, como ela nunca estivera.
Hirta demais para o meu gosto.
Arrastei–a pelas mãos a um dos fontanários como se fosse um travesseiro, lavei–lhe a cara, o pescoço, as mãos e as pernas, estendi–a e cruzei–lhe os braços em cruz. E desfiz tudo e rasguei–lhe a roupa, um vestido vermelho cintado, que desviei da pele como se fosse papel de embrulho.
Os seios não tinham mamilos, mas lavei–os também, e ao umbigo, à púbis farta, a esconder o sexo. Dos orifícios começaram a crescer ervas daninhas. Arranquei–lhe as urtigas e com um pouco de cuspo tirei–lhe o sangue do nariz e da orelha, debicados. Virei–a de costas e lavei–lhe as nádegas.
A pele estava fria, a carne dura.
A água não a limpou, a sujidade esborratou, num contraste absoluto com a lividez. Virei–a para mim e lambi–a, amarga e ácida. E masturbei–me sôfrego, junto à boca dela, semiaberta mas sem um sopro. Depois de um ligeiro estremecer, espalhei o meu creme viscoso pelo seu rosto e dei–lhe algum a beber, com a ajuda dos dedos.
Ela acordou com um grito de terror. E não se calava. Cada vez mais brutal, mais estridente, de olhos esbugalhados fixos nos meus. E eu chorei de vergonha, ainda com o tronco dela entalado entre as minhas coxas. Não fui capaz de me desviar do esbracejar, fiquei impassível aos murros e ao espernear frenético.
Até que o corpo dela se desfez em pó e se dissipou.
Estava assim quando acordei, ajoelhado e ranhoso. Olhei para o pulso que me ardia e vi um golpe tão grande junto às veias que parecia uma boca cujos lábios mexiam e falavam comigo, sem compreender o que diziam.

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