sábado, 14 de agosto de 2010

No tempo do Grand Hotel



Na Praça Duque da Terceira, no lado oposto à estação de comboios do Cais do Sodré, existia outrora o Grand Hotel Central. Aí jantou Júlio Verne, em 1878, com o seu editor para Portugal David Corazzi e o amigo e banqueiro Jorge O'Neill. Mas a imortalidade do Grand Central ficaria definitivamente salvaguardada pelo relato de um jantar dedicado a outro banqueiro, aquele que Eça nos descreve em "Os Maias" elevando o repasto à categoria de retrato social de todo um Portugal inerte: 
"Ega teve uma conferência com o Maître d'hôtel do Central, em que lhe recomendou muita flor, dois ananases para enfeitar a mesa, e exigiu que um dos pratos do menu, qualquer deles, fosse à la Cohen; e ele mesmo sugeriu uma ideia: tomates farcie à la Cohen".
A ideia não seria aceite. Mas depois do vermute - "uma gotinha para o apetite" nas palavras de Dâmaso Salcede - "Um criado, entrando, acendeu o gás; a mesa surgiu da penumbra, com um brilho de cristais e louças, um luxo de camélias em ramos".
Depois das ostras, a sole normande. E entre esta e o poulet aux champignons, o banqueiro Cohen solta a frase que ainda hoje se mantém intacta na imutabilidade do desequilíbrio entre o deve e haver dos cofres públicos: "A bancarrota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela que seria mesmo fácil a qualquer, em dois ou três anos, falir o país...". Discute-se. O Ega grita: "Portugal não necessita reformas, Cohen, Portugal o que precisa é a invasão espanhola". E, então, chega finalmente o prato de ervilhas num molho branco. São as petits pois à la Cohen. A bancarrota é esquecida, abre-se o champanhe e o Dâmaso declara o baptizado legume, como tudo o resto, "chique a valer".


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